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O Paquistão que pouco se ouve falar...

Matéria publicada originalmente no site Extremos em 23 de Setembro de 2016. Lembro de alguns anos atrás ler sobre um cara que foi trabalhar no Iraque e logo depois de chegar, foi sequestrado por um grupo extremista e infelizmente, depois de algumas semanas executado. Recordo vividamente de ler aquilo e pensar que alguém tinha que ser muito louco pra aceitar trabalhar em uma região de conflito. Exatamente um ano depois desse episódio eu me vejo às voltas explicando pra minha esposa sobre um “brilhante” plano de escalada, em uma região remota e pouco explorada do Paquistão. Entre sonhos e avisos proféticos de que iríamos ser sequestrados, decapitados, morrer em uma avalanche, desaparecer em uma cravassa, ou sequer fazer campo base, voltamos vivos, inteiros, e obtendo relativo sucesso.

Nosso plano era acampar em algum ponto que permitisse acesso a parte superior do Glaciar Yokshgoz e do vale adjacente, sem nome no mapa. A aproximação de 45km sairia dos arredores do vilarejo de Passu, margeando um trecho do Glaciar Batura, o quarto mais comprido do Karakoram, e então divergiria Norte, em direção ao Yokshgoz. O trekking levaria de 3 a 4 dias, nos deixando com um pouco menos de 3 semanas pra escalar. Passu fica na parte Norte da Karakoram Highway (KKH), ao lado do rio Hunza, 150 km rio acima de Gilgit. A maioria de seus habitantes são de etnia Wakhi e falam Wakhi. Em 2010 um gigantesco deslizamento de terra na vila de Attabad causou a morte de dezenas de pessoas e obstruiu o fluxo do rio Hunza, causando grandes inundações e desmoronamentos, além da criação do gigantesco lago Attabad, que cobriu quase vinte quilômetros da KKH. Atualmente o governo Chinês está construindo uma nova estrada para resolver o problema, mas em 2015 a única maneira de chegar até lá eram através de pesadas balsas de madeira que levam pessoas, cargas e veículos de um lado a outro da estrada. Para mim essa seria uma viagem de várias “primeiras”, primeira expedição, primeira vez no Paquistão, primeira vez acima de 4800m, e com sorte, uma primeira first ascent. O Lee já esteve outras 4 vezes no país, caminhando, escalando, e em um triste episódio onde participou de uma equipe de busca e resgate a um amigo que desapareceu durante uma tentativa de escalar o Shimshal Whitehorn em solitário.

Essa foto, tirada por Lee em 2006, mostra os 3 picos que escalamos em 2015. Essa vista é em direção a Leste © Lee Harrison

Islamabad a Passu


Nos encontramos em uma quente madrugada no pequeno Aeroporto Internacional de Islamabad. Em uma das lojinhas do saguão do aeroporto trocamos dólares por rúpias paquistanesas, e na sequência embarcamos em outro vôo para Gilgit, mais ao Norte. Os vôo para Gilgit são confirmados em cima da hora, por conta do tempo inconstante. Um assento no avião economiza o traseiro de horas e horas de carro pela sinuosa, esburacada e empoeirada KKH. O aeroporto de Gilgit parece um aeroclube construído sob um campo de futebol, assim que pegamos nossas bagagens na esteira fomos abordados por um senhor que se identificou como sendo da nossa agência, era ele quem iria nos levar até o lago Attabad. Fizemos uma rápida parada em Aliabad, para pegar Ahsan – nosso guia – e comprar mantimentos e equipamentos. O plano era cruzar o lago, pegar outro carro e seguir até Passu, de onde começaríamos a aproximação.


Dependendo dos planos e objetivos, conseguir um visto para o Paquistão requer um climbing permit, e uma carta de visto emitida por uma agência de turismo aprovada pelo Ministério do Interior. A agência requer que os escaladores tenham um “guia”, que os acompanha para certificar-se de que eles estão “seguros” durante toda sua estada. A participação do guia na escalada é zero, na verdade, Ahsan nos deixou – com nosso consentimento – um dia antes de chegarmos ao BC, e só voltamos a vê-lo quando retornou com os porteadores que vierem nos buscar. Aliabad é um vilarejo que estende-se ao longo da KKH, tendo como pano de fundo gigantescos picos de 7 mil metros. A estrada é poeirenta, o sol ardido, e o calor insuportável.

Hora do rush em Aliabad.

Encontramos Ahsan sentado sob uma árvore, tomando chá com outros senhores, em frente a um restaurante. Apertamos mãos, fizemos breve conversa, e tomamos chá. Gastamos duas horas comprando suprimentos pela vila, e Ahsan foi essencial em ajudar-nos a resolver uma série de pequenas detalhes logísticos e dores de cabeça que causam considerável perda de tempo. Coisas como por exemplo, onde comprar certos equipamentos, confusões linguísticas, e facilitação de discussão com os porteadores, que não tem um inglês super afiado. Quando se dispõem de “apenas” 30 dias de férias pra tentar escalar um pico virgem de 6 mil metros, tempo é dinheiro.

Hora das compras

As margens do lago Attabad a atmosfera é caótica. Carros, motos e grandes caminhões são carregados e descarregados das embarcações. Transferimos nossas coisas da van para dentro de uma das várias barcas disponíveis. Levamos cerca de uma hora e meia para cruzar o rio, chegando a Passu no final do dia.

Além de pessoas e produtos, carros e motocicletas também são transportados

O “taxista” nos deixou no pátio do Royal Palace Passu, um hotel à beira da estrada, que já viu dias melhores. Além de nós haviam duas francesas, que voltariam para Gilgit no dia seguinte, e um jovem alemão, que estava fazendo trekking e seguindo em direção à China. Aproveitamos as últimas horas de luz para dividir nossa carga em sacos reforçados de 25 kg – o limite máximo que cada porteador pode carregar.



Aproximação (e falta de porteadores)


Em Passu existe uma associação responsável por gerenciar a escala dos porteadores e garantir que todos tenham iguais oportunidades de trabalho. Desde cedo esperávamos os 6 porteadores que Ahsan havia reservado alguns dias antes, mas eles nunca apareceram. Gradualmente a ansiedade deu lugar a incredulidade, e então imensa preocupação. Ahsan começou a ligar para alguns conhecidos tentando recrutar novos voluntários. Por uma infeliz coincidência, aquele era o primeiro dia do Ramadan, uma das mais importante datas do calendário Islâmico, e também o começo das férias escolares, quando muitos jovens que estudam e moram na cidade voltam pra casa. Para complicar ainda mais, um enorme jogo de críquete estava rolando no vilarejo e isso aparentemente tomava precedência à nossa oferta de trabalho.


O dia ia lentamente esquentando e as montanhas a nossa volta já estavam sob o sol intenso quando Ahsan voltou com boas notícias. Ele havia conseguido reunir um grupo de jovens para nos ajudar, eles estavam vindo de Gilmut, um vilarejo próximo. Eles eram estudantes universitários de férias, com nenhuma experiência como porteadores, e muito menos da rota, mas interessados em trabalhar e fazer uma grana extra. O que poderia dar errado?! Empilhamos nossas coisas em frente a entrada do hotel e algum tempo depois uma camionete chegou com os moleques na carroceria. Tímidos e sorridentes, vieram nos cumprimentar e rapidamente carregaram o carro. Nós seguimos atrás em outro carro, por cerca de 15 minutos, até o começo da trilha. Era 1 da tarde, e é difícil descrever a força do sol, a aridez do terreno fazia as narinas arderem.


Os garotos estavam animados e não perderam tempo em pegar a trilha. Eu, Lee e Ahsan, mais leves, os ultrapassamos e seguimos na frente. Percorremos infinitas subidas e descidas sob um terreno seco e pedregoso, sem uma sombra a vista por quilômetros. Andamos pouco mais de duras horas e paramos na empoeirada área de acampamento de Yunzben, que apesar de perto, estava 450m acima de Passu. No calor da tarde, os porteadores ficaram para trás, e começaram a chegar mais de uma hora depois, reclamando do peso das cargas. Ficamos preocupados porque sabíamos que aquele dia mal havia sido um aquecimento diante do que ainda estava por vir.

Pedra, poeira e minimalismo no acampamento de Yunzben. © Lee Harrison

No dia seguinte acordamos antes do sol nascer. O trecho para o próximo acampamento em Yashpirt não era muito difícil, mas seriam cerca de 7 horas de caminhada. Baseado no passo do dia anterior nós precisaríamos de toda luz disponível para chegar até lá. Esse horário também é mais fresco e agradável para caminhar. Seguimos o lado Sul do Glaciar Batura, antes de fazer uma travessia em direção ao Norte. Como no dia anterior, logo os porteadores ficaram para trás. Paramos para esperá-los no pequeno assentamento de Mulungee, mas logo que recomeçamos a andar eles novamente desapareceram. Nova pausa para comida no último assentamento de Kirgus Washk, antes de cruzarmos o glaciar. Esperamos mais de uma hora pelos porteadores e apenas um havia chegado. Impaciente, Ahsan explicou ao garoto o caminho a ser tomado pelo glaciar, e seguimos na frente. Ele ficaria observando nosso trajeto enquanto esperava pelos outros. Nós marcaríamos o caminho pelo glaciar com totens de pedra e com sorte isso seria suficiente para permitir que eles nos seguissem.

Nossos porteadores mirins se preparam para mais um dia de ralo
Subindo o lado Sul do Glaciar Batura © Lee Harrison

Atravessar o glaciar foi como cruzar um gigantesco labirinto de gelo. Tivemos que encontrar passagem por corredores de gelo fraturado, entre enormes panelas e buracos que tinham que ser manobrados com cuidado. É preciso muita atenção para evitar cair na água que corre por entre os grandes blocos. Uma vez no fundo do glaciar, perde-se toda referência de direção, daí a importância de construir totens de pedra nas partes mais altas e visíveis. Várias vezes chegávamos a uma passagem sem saída e tínhamos que retornar e tentar outro caminho, uma tarefa árdua e frustrante.

Iniciando nossa primeira travessia do glaciar Batura
Buscando passagem no meio do glaciar

Apenas quando estávamos terminando a travessia de cerca de 1km foi que notamos alguns pontinhos na margem Sul, lentamente descendo em direção ao glaciar. Eram nossos porteadores avançando lentamente em nossa direção. Calculamos que nesse passo não chegaríamos a Yashpirt antes do anoitecer e mesmo esgotados pelo esforço e calor, deixamos nossas mochilas à margem e voltamos para o glaciar ajudar os garotos. Lentamente cruzamos o glaciar pela segunda vez, agora ultra carregados. Eu estava absolutamente exausto e desidratado. Apesar de bem intencionados, os porteadores não tinham o equipamento, a experiência, e o preparo físico necessário pro ralo. Fui descobrir no meio da travessia do glaciar, enquanto parávamos para descansar, que essa era a primeira vez dos meninos sob o gelo! Eles não dispunham do tradicional frame de metal que é usado para amarrar a carga às costas e com exceção dos dois sortudos que levavam nossas mochilas, os outros usavam finos cordeletes para trançar e amarrar os sacos às suas costas, algo pouco prático e nada confortável. Eles sequer tinham cordelete suficiente para todos e carregavam nossos sacos e sacolas sob os braços, precariamente equilibrados nas costas e sob os ombros, como um bando de refugiados. Isso não apenas dificulta carregar a carga, como desequilibra o porteador, aumentando as chances de um escorregão. Outro problema é que como eles não tinham controle dos pesados sacos, toda vez que paravam para descansar eles os baixavam com tanta força no chão que todo o conteúdo ia sendo esmagado.

Porteadores perdidos no mar de gelo, durante a travessia do glaciar

Agora no lado Norte, Lee, Ahsan e eu continuamos a carregar cargas extras para aliviar os porteadores, e finalmente depois de mais duas horas chegamos a Yashpirt, uma remota e idílica vila de pastores no meio do Batura.

Em direção à Yashpirt. O glaciar Batura está ao fundo à direita © Lee Harrison
A vila de pastores de Yashpirt © Lee Harrison

Os porteadores chegaram horas depois, ao anoitecer, e pareciam destruídos. A cara deles dizia tudo, naquela mesma noite eles disseram que não aguentavam mais e iam embora no dia seguinte! Fora os problemas de falta de equipamento adequado, nós descobrimos que eles sequer haviam trazido comida suficiente para a caminhada! Eles eram jovens amigáveis que estavam querendo fazer um dinheiro extra durante o verão, e não porteadores hardcore acostumados aos ralos da vida no campo. Em retrospectiva, nós nunca deveríamos tê-los contratados, eu e Lee éramos culpados por aquilo. Todo o estresse da situação apenas nos distraiu e nos impediu de aproveitarmos as belezas de Yashpirt e da caminhada que estávamos fazendo.

Reempacotando as cargas destruídas pra dentro de um barril plástico © Lee Harrison

Um êxodo de porteadores na metade de um trekking de quatro dias seria o fim da expedição… felizmente, a sorte estava do nosso lado! O alemão que conhecemos no hotel estava pernoitando ao nosso lado e acabara de mudar de planos, ao invés de cruzar o Passo Werthum, que estava coberto de neve, ele iria passar mais um dia em Yashpirt, antes de voltar para Passu. Isso temporariamente fez seus porteadores livres no dia seguinte, e eles aceitaram trabalhar para a gente. Eles disseram ser possível chegar até onde queríamos em um dia ao invés de dois. Considerando que estávamos sequer na metade do caminho, isso parecia no mínimo ambicioso, mas se eles estavam dispostos a tentar, ótimo, especialmente depois da lentidão dos últimos dias. Subiríamos de 3300 m à 4150 m, e ganharíamos de brinde uma bela dor de cabeça pra ajudar a dormir. Outro problema logístico que resolvemos no vilarejo foi emprestar um barril plástico de um dos pastores, para levarmos parte da nossa comida que havia sido destruída após inúmeras pancadas dos sacos contra o chão.



Novos (super) porteadores


Os novos porteadores eram sobre humanamente fortes. Movidos a cigarro e farinha, andavam a um passo impressionante, especialmente considerando o tamanho da carga que levavam nas costas. Pudemos finalmente relaxar e aproveitar o visual, em particular a da imponente Parede Batura, com 10 km de comprimento, do lado Sul do glaciar, que culmina no topo do Batura I, a 7795 m. Seguimos o vale a maior parte do dia, descendo em direção ao glaciar próximo da junção Yokshgoz.


Dali ainda andamos por horas, um eterno sobe e desce por morainas, sob um sol inclemente. Fiquei novamente desidratado e durante a maior parte do dia me senti péssimo, ficando sempre para trás do resto do grupo. O terreno irregular e instável reduziu nossa velocidade. Pesados blocos precariamente equilibrados rolavam a todo momento pelo glaciar, conforme o sol aquecia o gelo. Chegar ao Glaciar Yokshgoz nos pareceu uma vitória. Sem tempo para recuperar o fôlego, um novo problema. Um desentendimento entre Ahsan e os porteadores fez com que nosso destino final fosse declarado como uma clareira conhecida como “Yokshgoz”, ainda muito distante de onde queríamos ficar. Isso explicava eles acharem que conseguiriam fazer todo o percurso em um único dia.

Estávamos ainda bem abaixo das colinas, do lado Oeste do glaciar, sob o pico P5735, que faz parte do maciço Kuk Sar. Um local maravilhoso, com uma grande cachoeira à vista, mas horas de distância de onde precisávamos chegar. Era quase final do dia, nós já havíamos andado mais de dez horas, e prosseguir seria irreal. Os porteadores ainda precisavam voltar para o último assentamento de pastores antes que o dia acabasse, mais 6 horas de caminhada, pois na manhã seguinte tinham que encontrar o alemão. Chegamos a um vago acordo de que eles iriam ajudar o alemão a voltar a Passu e voltariam nos ajudar, mas sem serem muito exatos em quanto tempo isso levaria. Ahsan também não tinha mais comida, e iria voltar com os porteadores. Esse foi o ponto mais baixo da viagem. Realisticamente, nós ainda estávamos muito distantes do nosso objetivo, com poucas opções do que fazer onde nos encontrávamos. Lee estava ansioso e pessimista com os constantes problemas, e pronto para desistir e voltar pra casa. Sugeri que continuássemos a discussão no dia seguinte, descansados e de cabeça fria. Comemos alguma coisa e apagamos em nossos sacos de dormir.

A volta dos porteadores

Acordei desanimado e pessimista, sem saber o que aconteceria. Cheguei até a usar o nosso caro telefone satelital e ligar pra casa desabafar. Incrível, mas assim que desliguei fui surpreendido por dois pontinhos que apareciam na linha do horizonte. Simplesmente não acreditei, os porteadores estavam voltando!! Hah, a divina providência estava mais uma vez do nosso lado! Como nosso grupo estava reduzido, teríamos que dividir nossas cargas em sacos menores e fazer várias viagens até que tudo chegasse ao campo base, mas estávamos decididos! Obviamente que isso envolvia resolver um novo grande quebra cabeça que seria o de achar um caminho pelo enorme labirinto de gelo do glaciar que tínhamos que cruzar.

Um dos porteadores ultra carregado em direção ao glaciar
Uma das várias viagens de porteio em direção ao campo base, depois de cruzarmos o glaciar pela segunda vez

Movimentamos 6 cargas - 150 quilos de comida e equipamentos - em pequenas viagens, primeiro ao longo das baixas elevações da moraina do lado Oeste do Glaciar Yokshgoz, antes de finalmentes descermos e cruzarmos o labirinto de gelo até o outro lado. Alguém ia à frente testando o terreno e o marcando com totens conforme um caminho era encontrado, depois voltávamos até as mochilas e as transportávamos até aquele ponto, repetindo o processo outra vez, dezenas de vezes, até chegarmos com tudo ao outro lado. Depois de um dia inteiro de idas e vindas pelo glaciar, sob um sol escaldante, finalmente chegamos ao campo base! Os pastores conheciam aquele lugar como Kush Dur Gush, ou “boca do vale feliz”. Uma pequena clareira verde em meio a um gigantesco glaciar rochoso, com espaço para apenas duas barracas. Uma fria piscina azul na varanda fazia aquele ser o local perfeito para passarmos as próximas semanas. Nosso moral subiu, estávamos apenas um dia atrasados em relação ao nosso cronograma mais otimista!

Lee, feliz por estar em "casa"
Lar doce lar

Finalmente escalando: boa aclimatação e erros de navegação

É difícil descrever o quão remoto e isolados do resto do mundo nós estávamos. Imaginar que ficaríamos aqui por semanas, sem seguro, com um telefone satelital que funcionava mal e porcamente, era igualmente excitante e angustiante. Até mesmo o Lee, com toda sua experiência, havia mencionado o fato de nunca haver estado tão remoto, o que fez eu me sentir melhor, porque até então eu achava que era o único enfrentando esse turbilhão de sentimentos. Passamos os primeiros dois dias aclimatando ao redor do acampamento, subindo inclinados morros de rochas podre, antes de focarmos em tentar chegar a algum cume. Era minha primeira vez em algo mais alto que os Alpes, então uma aclimatação suave parecia ser uma boa ideia. Os picos de altura moderada, na cabeça do vale sem nome, à Norte do nosso acampamento, pareciam tecnicamente acessíveis e ideais para uma aclimatação gradual.

Caminhada de aclimatação sob uma crista rochosa

Na boca de entrada do vale sem nome desaguava um forte rio, comprimido por encostas inclinadas e cobertas por uma fina camada de cascalho. As maiores dificuldades estavam em vencer os primeiros duzentos metros de elevação, margeando o rio, antes do vale abrir e aplainar. A primeira vez que subimos esse caminho não tivemos grandes problemas porque o nível da água estava baixo e podíamos escalaminhar pelos pedras e boulders das margens. As pontes de gelo estavam sólidas e permitiam cruzar o rio e atingir um terreno mais fácil de caminhar, conforme necessário.

O aumento da água nos forçou a escalar as inclinadas e podres barrancas do rio © Lee Harrison

Nas semanas seguintes o nível d’água subiu progressivamente à medida que a temperatura aumentava e descongelava o glaciar mais acima. Muitas das pontes de gelo quebraram – uma inclusive comigo em cima! – fazendo o progresso cada vez mais lento e estressante. Uma das nossas preocupações era escorregar no cascalho, cair na forte corredeira e ser varrido pra baixo do gelo com mochila e tudo.

E direção do cume Sul do P5665 © Lee Harrison

Fizemos high camp no primeiro de dois vales laterais que ramificavam mais ao Norte, a pouca distância do nosso glaciar, a cerca de 4930 m. Nosso plano era escalar o P5665, que ficava diretamente a Leste, na manhã seguinte. A forma da montanha escondia o seu cume mas antecipávamos terreno fácil e sem grandes dificuldades de navegação. Fomos pra “cama” sentindo um pouco da altitude, com dor de cabeça, tentando dormir até 1 da manhã. No Karakoram é importante acordar bem cedo para evitar o calor que derrete o gelo das faces e desprende rochas. Era normal começar as aproximações por volta de 2 ou 3 da manhã.

Visual alucinante durante nosso bivaque © Lee Harrison

Seguimos em direção a cabeça do vale no escuro, pelo o centro do glaciar, de forma a ganharmos altura, antes de cortarmos à direita em direção ao que pensávamos ser o cume. Nosso erro foi assumir que o cume estaria em algum lugar sob a ampla expansão glacial acima da rampa onde estávamos. Isso nos levou ao que é melhor descrito como o cume Sul, a cerca de 5600m. Um pouco mais baixo do cume real, a pirâmide rochosa mais a Norte, e também de um afloramento rochoso ao Sul. O esforço porém não foi em vão, chegamos a mais de 5000m, e ainda tivemos uma boa vista dos picos e glaciares à Leste.

Deus ajuda quem cedo madruga! © Lee Harrison

Consciente do nosso erro de navegação, tentamos atravessar para o cume principal mas a distância, a inclinação da rampa com muito gelo e rocha podre fez com que desistíssemos. Descemos de volta a base do glaciar, a 5400m, e mudamos nossa atenção para o pico vizinho à Noroeste. O P5702 estava distante mas era menos inclinado, e portanto mais adequado aos nossos pulmões ofegantes e ainda pouco aclimatados. Subimos até a crista que conectava os picos P5665 e P5702, cerca de 5480m, mas a essa altura estávamos moídos, de uma forma que apenas a falta de aclimatação pode moer. Os próximos 200 m pareciam infinitos, então resolvemos descer. Chegar ao cume Sul do P5665 foi uma ótima aclimatação, mas de resultado frustrante. Com nosso cronograma apertado, ficamos com a sensação de ter perdido a chance de subir algo mais significativo.


Primeira ascensão do P5702

O bom tempo persistiu e sem perder o desânimo descansamos um dia no BC e no dia seguinte retornamos ao mesmo high camp, dessa vez para tentar o P5702. Transpor a parte baixa do vale foi mais difícil dessa vez, por conta do nível do rio que aumentava a cada dia devido ao rápido descongelamento do glaciar. As pontes de gelo que conectavam as margens estavam se desfazendo e expondo partes da encosta, um cascalho podre e qualquer sustentação. Nós não conseguíamos mais passar pela margem e agora éramos forçados a escalar a ribanceira erodida que tinha a consistência de uma areia movediça.

Cruzar as pontes de gelo ia ficando cada vez mais perigoso conforme os dias esquentavam © Lee Harrison

Novamente acordamos a 1 da manhã, e usamos o mesmo glaciar para ganhar altura. Seguimos uma linha curva na face Sudeste, à direita do cume. A rampa tinha entre 35-45o de inclinação, com a parte mais inclinada na metade da via, em torno de 50-55o, onde a encosta começava a alargar. Na maior do tempo escalamos desencorados, com uma piqueta na mão e um bastão de caminhada na outra. Vez ou outra algumas rochas desciam zunindo em nossa direção. Eles soavam como balas de revólver, e algumas me acertaram de raspão na orelha e cotovelo. Apenas quando a montanha aplainou é que resolvemos encordar, por conta das cornissas e cravassas que se escondiam sob a neve. Nós alcançamos a crista Leste, a pouca distância do cume e logo estávamos no topo. Uma first ascent pelo que sabemos, com a linha graduada em AD-. Batizamos o pico de Khush Dur Sar, devido ao nome do nosso campo base. Coordenadas 36.7151, 74.5228.

Nossa linha na face Sudeste do P5702 © Lee Harrison

Como ainda era 7 da manhã, resolvemos tentar o P5665 novamente. Nós iríamos atravessar a longa crista conectando os dois picos e escalar a breve rampa de neve ao lado da pirâmide rochosa. A travessia da crista foi descomplicada, mas a encosta nevada que levava ao topo se mostrou perigosa. Aquele trecho tomava sol desde o começo da manhã, e a neve estava fofa e sem sustentação alguma. Nossas piquetas não serviam pra nada, e mesmo os degraus que íamos chutando não nos davam tranquilidade alguma, e facilmente se desfaziam conforme avançávamos para o próximo degrau chutado na neve. A neve na segunda cordada estava ainda pior, sem qualquer possibilidade de proteção, então rapelamos da metade da rampa, a cerca de 40 m do cume. A descida de volta ao glaciar foi igualmente tensa, com muitas rochas e pedaços de gelo caindo ao nosso redor, algumas passando zunindo bem perto de nossas cabeças.

Cume do P5702 © Lee Harrison
A bela crista em direção ao P5665 © Lee Harrison


Breve incursão ao alto Yokshgoz

Na primeira metade da viagem o clima estava ótimo, depois mudou para chuvoso e absolutamente imprevisível. Tivemos chuva do meio-dia até a noite, e passamos a maior parte do tempo na barraca. A manhã seguinte começou seca, quando a previsão anunciava mais chuva. Devíamos ter entendido isso logo no começo, quando chuvas esporádicas foram previstas durante nossa aproximação ao BC, mas nunca se materializaram. A previsão para os próximos dois dias era um misto de chuvas e nuvens baixas, mas decidimos tentar a sorte e subir novamente. Preparamos as mochilas e saímos após o almoço em direção ao alto do Yokshgoz, para explorar outro cume de 6000 m que era um dos nossos objetivos durante a expedição. Seguimos a margem Norte do Glaciar Yokshgoz, antes de deixarmos seu confinamento para escalar uma encosta coberta por pedras soltas. O progresso foi lento, mas isso permitiu cortarmos caminho e evitar uma parte ainda mais sinistra da cachoeira de gelo formada pelo glaciar mais ao Norte. Desde nossa saída fomos ameaçados por nuvens negras que pareciam vir em nossa direção, mas por sorte acabaram tomando outro rumo e entrando em um vale vizinho. A relativa proximidade do nosso objetivo no mapa escondia o tempo real necessário para a aproximação e ao cair da noite nós ainda estávamos a cerca de duas horas de um local adequado para acampar. Em retrospectiva, estimamos que do BC nós precisaríamos de 9 horas para o percurso. O maior problema em chegarmos ao anoitecer foi que não conseguimos checar possíveis vias e perigos da face. A partir do Khush Dur nós havíamos observado diversos seracs que precisavam ser investigados antes de escolhermos uma rota. Escalamos uma colina adjacente ao glaciar, na esperança de ao menos conseguir ver a face a nossa frente, mas do topo a visibilidade era baixa por conta das nuvens baixas que cobriam todo o horizonte. Chegamos a conclusão de que nosso BC estava mal localizado em relação a esses picos mais distantes. A única vantagem de onde estávamos era o acesso a alguns a picos menores e mais próximos. Preparamos uma pequena plataforma de pedras para passar a noite. Assim que entramos em nossos sacos de dormir começou a chover. Meu saco de bivaque resistiu pessimamente a toda aquela água, e sequer preguei os olhos. Uma breve pausa as quatro da manhã nos convenceu a sair do calor dos sacos de dormir e começar a voltar ao BC, encharcados e desmoralizados.

Aproveitando uma brecha no tempo par voltar ao campo base © Lee Harrison

A previsão para os próximos dias era de janelas de tempo curtas e instáveis, então mudamos nosso foco para outros picos na cabeça do Glaciar Yokshgoz, que estavam mais próximos. Nós iríamos estabelecer um novo high camp e escalar algo no dia seguinte bem cedo, bivacando na montanha novamente se necessário.

Tempo ruim ou previsão ruim?

Os problemas com o tempo imprevisível eram ampliados pelo nosso velho telefone satelital. Uma mensagem diária enviado por um amigo na Inglaterra nos oferecia uma básica previsão para os próximos 5 dias, mas falhava em detalhar o volume real de chuva e outras informações que nos ajudariam na tomada de decisões.

As mensagens de texto chegavam com um dia de atraso. A previsão para a chuva que nos pegou na cabeceira da Glaciar Yokshgoz havia sido confirmada um dia antes, mas só recebemos a notícia depois que o evento havia passado!


Ficamos dois dias no campo base esperando uma melhora no tempo e então subimos o leito do rio novamente para explorar outro vale. Levávamos comida para dois dias e uma lona para reforçar nosso bivaque porque mais chuva era prevista para a noite. Dessa vez o nosso high camp foi em um vale lateral, que se ramificava à Norte, a cerca de 5050 m. Nosso plano era logo cedo escalar o P5589 que ficava a Oeste do Kush Dur Sar, mas longo da mesma crista. Também queríamos tentar mais uma vez o P5665 no segundo dia.


Primera ascensão do P5589

O tempo cooperou e o P5589 se mostrou uma fácil e descomplicada ascensão, como um bom dia nos Alpes. Subimos por uma rampa de neve e rochas podres à direita do centro da face Sudeste, antes de atingirmos uma encosta nevada 100 m acima. A inclinação manteve-se por volta dos 45o, até um máximo de 50o. Sofri apenas um breve e sortudo raspão de algumas pedras que caíam regularmente em nossa direção. Do topo da face seguimos uma aresta nevada e alcançamos o cume por volta das 6 da manhã. Chamamos a montanha de Qalha Sar, que significa “Pico Bastião”, devido ao seu formato. Nossa rota foi graduada em AD, coordenadas para o topo são 36. 71401, 74.50592.

Rochas e neve podre em direção ao topo do P5589 © Lee Harrison
Nossa via na face Sudeste do P5589 © Lee Harrison

Consideramos na sequência uma nova travessia até o pico vizinho, P5400, mais a Oeste, mas ele parecia ser apenas uma vaga projeção, sob uma crista que perdia altura. Chegar lá também iria envolver uma longa e monótona volta em direção ao nosso bivaque então resolvemos salvar energias e tentar novamente o P5665 na manhã seguinte. Nós descemos a crista Noroeste do P5589 até encontrarmos encostas mais amplas, e por volta das 9 estávamos de volta ao nosso bivaque. Matamos o tempo dormindo sob um gigantesco boulder, tentando encontrar abrigo do sol, e ao final da tarde caminhamos de volta ao nosso high camp no vale ao lado.

Cume do P5589 © Lee Harrison

Terceira tentativa ao P5665


Como agora único objetivo era a pirâmide rochosa do P5665, optamos por tentar uma linha mais direta do que das vezes anteriores. Passamos com facilidade por uma encosta de neve e rocha podre e rapidamente ganhamos a crista Oeste-Noroeste, novamente a partir da bacia do glaciar. Chegamos cedo na rampa de neve e apesar de ligeiramente melhor do que da vez anterior, as condições estavam longe de ideias.

Solamos o começo da rampa (55-60o) e chegamos até o primeiro platô, onde fizemos uma parada. A neve estava ruim, o que nos estressou um pouco. Como tínhamos apenas 3 parafusos de gelo, usamos uma piqueta e um parafuso para fazer uma parada sob o único bloco de gelo sólido que encontramos. Também colocamos uma fita sob uma pilha de pedras, como segurança psicológica extra, porque era impossível usar as rochas para qualquer tipo de proteção decente. Tudo o que tocávamos desmoronava e se desprendia com tanta facilidade que eu cheguei a questionar como era possível aquele pico estar sequer em pé!

Penúltima cordada em direção ao cume © Lee Harrison

A exposição era grande, e a impressão que eu tinha era de uma queda limpa até o fundo do vale vizinho, centenas de metros abaixo. Eu e Lee tínhamos opiniões diferentes sobre a última cordada, eu estava em um daqueles estados em que nada se sente, e pouco se pensa, determinado a tentar outra vez. A inclinação oscilava entre 55-70o, mas a cada metro eu precisava cavar uma trincheira profunda para conseguir encontrar alguma neve com o mínimo de sustentação, o que fazia tudo ficar ainda mais inclinado. Na metade da cordada eu já havia esticado uns bons 25 metros sem proteção alguma e o terreno acima parecia ser igualmente instável. Antes de entrar no que parecia ser o crux, sem qualquer proteção, clipei um dos parafusos na corda e o mandei de volta para o Lee, para que ele reforçasse a parada onde estava. Minha esperança era que se eu caísse ele poderia tentar travar a corda e diminuir as chances de rolarmos os dois montanha abaixo.

O que se seguiu foi um tenso e delicado balé onde o esforço para trocar os pontos de apoio dos meus pés e braços acabava por destruir o anterior. Depois de cerca de 30 m consegui finalmente colocar um parafuso “decente”, a primeira proteção psicológica. Por duas vezes eu tive certeza que o degrau onde estava me apoiando iria desmaterializar-se, mas a neve apenas deslizou alguns centímetros e “parou”. Estômago amarrado. Precisei de muito diálogo interior para me convencer a continuar subindo, mesmo porquê descer seria impossível naquelas condições.

Crux da vida e quase no cume © Lee Harrison

Para minha surpresa, quando finalmente cheguei ao topo do pico encontrei um cordelete ancorado a uma rocha, provavelmente usado por alguém para rapelar do cume! Foi como chegar em Marte e encontrar um papel de bala! Hah! Não que isso diminuísse nosso senso de aventura. Montei uma parada e trouxe o Lee, tínhamos apenas alguns poucos metros até o topo, mas a coisa não ficava fácil. A rocha estava assustadoramente podre, tivemos que subir e descer um de cada vez até o delicado cume, para evitar desmoronar a coisa toda.

Lee se equilibrando precariamente no topo do P5665

Segundo nossos porteadores, a última expedição a visitar aquele lado do Yokshgoz foi a nove anos atrás. Considerando que a montanha pode ser acessada na metade do tempo a partir do Vale Lupgar, é provável que a primeira ascensão tenha sido feita a partir do Norte, o que faria essa a segunda ascensão ao pico, por uma nova via. Chamamos a linha de Marshmellow Route, graduação D. Coordenadas 36.71002, 74.5403.

Nossa linha no P5665

Escalada “de exploração” tem dessas coisas, as vezes é complicado ter certeza absoluta de você ser o primeiro na via ou no cume. O processo de encontrar essas “primeiros” envolve muita pesquisa e um pouco de sorte, e acho que por conta disso talvez seja mais apropriado, em muitos casos, usar a expressão “first registered ascent”.



Casa

De volta ao base camp tínhamos apenas um dia para desfazer o acampamento, queimar o lixo, e comer as sobras, antes dos porteadores chegarem. Fizemos o trekking de volta a Passu em dois longos dias. Descansamos dois outros dias em Karimabad e como nosso vôo de Gilgit à Islamabad foi cancelado por conta do tempo, tivemos que enfrentar tortuosos 478 km de táxi pela KKH, 18 horas de carro na pior e mais quebrada estrada que você possa imaginar! Passamos por diversos checkpoints policiais onde tínhamos que mostrar os passaportes e nos registrar. Durante alguns trechos o motorista nos pedia para que cobríssemos as janelas com cortinas - por segurança -, e em duas ocasiões tivemos um policial conosco, dentro do carro, nos escoltando por alguns quilômetros.

O dream team se preparando para o retorno a Passu

A parte mais perigosa da viagem não envolveu escaladas ou terroristas, mas a estrada. Não havia ponto cego ou pista molhada suficiente que reduzissem a velocidade e loucura do nosso motorista e de suas ultrapassagens. Em alguns momentos ele chegou até a colocar seu cinto de segurança, mostrando comprometimento total! Devo ter perdido várias vidas naquelas ultrapassagens secas, e não foram poucas as vezes em que ele e outro carro vindo na direção oposta tiveram que frear no último minuto para evitar uma colisão frontal… eventualmente eu fechei os olhos e parei de olhar para a estrada. Inacreditavelmente, chegamos moídos mas intactos em Islamabad.


Reflexões Finais


Nessa viagem eu resolvi não levar nenhum jogo, livro, ou música para me distrair. Eu queria assistir de camarote à minha mente divagando diante da monotonia do acampamento, do stress das caminhadas, ou do receio das escaladas. Alpinismo é a arte de sentir-se confortável em locais desconfortáveis, e eu queria explorar ao máximo esses sentimentos. Sai de casa com mínimas expectativas, e durante os 18 dias em que estivemos isolados nós escalamos três picos moderados, 1 colo, e exploramos 3 diferentes glaciares, nada mal pra primeira vez!

No alto da minha monotonia eu construí dezenas de torres de pedra ao redo do acampamento

Também conheci um pouco do Paquistão, seu povo e sua cultura, e pude ter uma visão pessoal sobre notícias e conclusões pré processadas que são transmitidas por uma mídia generalista e tendenciosa. Fui alegremente surpreendido pela maneira amigável e aberta dos paquistaneses que conhecemos, sempre com um sorriso no rosto, animados para dividir um chá e uma conversa. Ficavam malucos quando falava que era brasileiro, queriam bater papo e saber do futebol e das novelas, muito famosas por lá! Eu até vi dois garotos com camisas da seleção, imagine! O Norte, em especial o Vale de Hunza, considera-se “moderado” em termos de interpretação do Islã. Vimos mulheres guiando carros, motos, e até andando desacompanhadas pelas ruas. Samina Khayal Baig, a primeira mulher paquistanesa a escalar o Everest, é daquela região e os locais brincam que se ela tivesse nascido no Sul, já teria sido degolada.

Não posso dizer que me senti ameaçado em momento algum, mas admito que é difícil uma percepção exata do “perigo” à nossa volta. Em Islamabad e Gilgit, partes mais centrais e urbanas, nota-se uma mudança na maneira das pessoas à nossa presença, mas ainda assim, nada intimidante. Me parece que o grande problema do Paquistão, é que a minoria ruim, é de fato muito ruim. Na Karakoram Highway é recomendado evitar-se o trecho entre essas duas cidades porque a estrada passa por regiões que ainda estão tecnicamente em conflito, além de que essa é também a parte menos cênica da estrada. A única alternativa é pelo ar. Uma boa preparação física é essencial, mas é definitivamente a cabeça que determina o sucesso. O corpo segue a mente. A quantidade de coisas que deram errado, apenas para chegar ao campo base, foi absurda. Durante longos e estressantes dias, passei por novos estágios de exaustão, quando achava que não conseguiria mais continuar, e sempre dá pra fazer mais. É importante adotar uma postura positiva e ver as coisas com olhos de criança, como lições para futuros planos. …eu quero mais!


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