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Ser ou não ser, um velinho hard core?

Artigo publicado originalmente no Blogdescalada em 10/17/2012. Adam Ondra, que dor de cotovelo. Aos quinze anos ele guiava 9a. Em um dia “bom” ele mandou um 9a, 8c+ e um 8c! Eu tenho o dobro da idade dele, tenho dedicado os últimos três anos de minha existência a escalada, e não estou sequer perto do nível em que ele se aquece! Na verdade, eu não estou nem perto de estar perto.

Adam Ondra em ação

Claro, eu devia estar feliz por ter encontrado um esporte que tanto me inspira e motiva diariamente a colocar esforço e sacrifício no prato, mas não é fácil. As brilhantes revistas da banca constantemente me lembram que eu não sou o escalador que eu quero ser. Eu não tenho patrocinadores, tralha de cores contrastantes e nenhuma foto de impacto “em ação” - (suspiro). Então, quando o mestre Ondra escala o seu décimo 9a, isso apenas serve para me lembrar o que eu não fiz. E sendo ele tão novo, isso apenas sugere que eu jamais o farei, e que na idade dele, quando eu poderia tê-lo feito, eu estava na casa dos meus pais jogando Prince of Persia e nem imaginava que escalada existisse. Não posso evitar de pensar no treino que perdi, no treino necessário para ser um monstro da escala. Enquanto isso, Adam está tomando uma cerveja às custas de uma identidade falsa, e gargalhando sobre nós amadores tentando enfiar um dia de escalada entre trabalho, família e limitações climáticas.

Francisco Marins mandou um f8b+ aos 61 anos de idade!

Perdão por resmungar tanto, mas eu não estou sozinho nessa barca. Talvez você também já tenha se perguntando “- Qual o ponto?”. Escalo a um tempão, posso dizer que atingi um certo platô mediano, então porque treinar mais? Porque continuar me lesionando, enfrentando o frio, calor e a chuva para treinar de manhã, de tarde ou à noite? Porque eu não vou apenas pra praia surfar, ou jogar golf? Pra que me espelhar em Adam e outros jovens bigatos mutantes, se eu estou na verdade ficando mais velho, e não mais novo? Calma, nem tudo está perdido. Um interessante livro chamado “Tolstoy’s Bicycle” sugere que o famoso escritor russo Leo Tolstoy, só foi aprender a andar de bicicleta aos 67 anos. O livro lista, por ordem de idade, feitos impressionantes de centenas de personalidades famosas. Por exemplo, King John tinha 41 anos quando assinou a Carta Magna, a base da lei inglesa, e Leonardo da Vinci tinha 67 quando terminou a Mona Lisa. Juventude eterna, eis o Santo Graal da motivação.

Carlos Soria escalou o Annapurna aos 77 anos de idade

Encontrar grandes feitos realizados por escaladores “mais experientes” está cada vez mais fácil e comum, e apesar de um pouco mais raros, grandes marcas também são quebradas por escaladores quarentões e bem mais velhos. Aí vai uma lista pra te inspirar!

Idade – Feito

30 – Donald Desbrow Whillans corta os italianos, o Papa e o tempo Patagônico para garantir a primeira ascensão da Torre Central do Paine, no Chile. 31 – Andy Kirkpatrick passou espantosos 15 dias com Ian Parnell enquanto trabalhavam na repetição da via Lafaille, considerada até então a via artificial mais difícil da Europa (A5, M7, V), no Dru, durante o inverno. 32 – Ueli Steck quebra seu próprio recorde e escala a rota 1938 na face norte do Eiger em 2h47’. Isso dá mais de dez metros escalados por minuto! Igualmente impressionante é a primeira ascensão em livre do The Nose, Yosemite, por Lynn Hill. 33 – Pete Livesey, alguns poucos anos após ter começado a escalar, define novos limites para a escalada tradicional com a via Footless Crow (E5 6c) em Borrowdale. Whillans aparece de novo, em 1970, no topo do Annapurna após encarar a incrível face sul Dougal . 34 – Edmund Hillary escala o Everest com Tenzing Norgay (com 39 anos na época). Pat Marrow também escalou o Everest em sua busca dos 7 Picos (de cada continente), que inclui a Pirâmide Carstensz, e Warren Harding faz a primeira ascensão do The Nose, no Yosemite, meros 47 dias de ralo. 35 – Malcom Smith’s volta a cena com sua ascensão de Metalcore 8c+ em Anvil. Essa é também a idade em que Steve McClure guia Overshadow, F9a+ em Malham. Walter Bonatti escala o que foi talvez sua maior rota, a ascensão invernal, solo, da face norte do Matterhorn. Steve House e Vince Anderson escalaram o Nanga Parbat, em estilo alpino, ao longo de cinco dias.

Marcel Remy, 94 anos escalando a via Ace of Spades 5.9 no Dent de Jaman

36 – Na Patagônia, Rolando Garabotti completa a última das grandes travessias alpinas, em quatro dias, da Agulha Standhardt ao Cerro Torre via Punta Herron e a Torre Egger. Para conseguir ganhar o cume do Torre, Garabotti e seu parceiro, Colin Haley, passaram mais de três horas cavando um túnel através do famoso cogumelo de gelo. 37 – Joe Brown faz uma ascensão televisionada de uma nova rota na face sul do pináculo Old Man of Hoy, na Inglaterra, graduada em E2 5b. 38 – Dave Birkett complete sua nova rota em Scafell, Return of the King, E9 6c. 39 – Jerzy Kukuczka torna-se a segunda pessoa (após Messner) a escalar todos os 14 8000. Isso é impressionante considerando-se que muitas das ascensões foram novas rotas, quatro foram em condições invernais, e ele fez todos os cumes em menos de 8 anos. 40 – Achille Compagnoni deixa o jovem Walter Bonatti sofrendo o primeiro bivac já feito a 8000m, para se transformar no primeiro homem a culminar o K2 (8661 m). 41 – Nick Bullock e Andy Houseman escalam a via 1938 na face norte do Eiger em um dia e meio. 43 – Stevie Haston manda sua nova via de dry-tooling, a mais difícil do mundo até então, The Empire Strikes Back (M10/M11). Eliseu Frechou (43) e o Marcio Bruno (37) abrem uma nova via no Monte Roraima. 44 – O pouco conhecido Reinhold Messner faz cume no Makalu (8462m) e se torna o primeiro a escalar todos os 14 picos co mmais de 8000m. Dessas conquistas 12 foram realizadas quando Messner já tinha mais de 30 anos de idade. 47 – Mick Fowler ganha o Piolet d’Or por sua nova rota no Siguniang (6250m), China, com Paul Ramsden. Na Patagônia, Sérgio Tartari participa da conquista de uma nova via no Pilar Casaroto do Fitz Roy, juntamente com Luciano Fiorenza e Jimmy Heredia. 48 – Manolo (Maurizio Zanolla) manda a via Bain de sang, f9a. Alguns meses mais tarde ele também encadenou a via Eternit, f9a, nas Dolomitas. 49 – Sérgio Tartari era o mais “experiente” de um seleto grupo de experientes durante a dura escalada do Salto Angel, na Venezuela. Também participaram José Luiz Hartmann (44), Edemilson Padilha (39), e Waldemar Niclevicz (45). 52 – O agora vovô Stevie Halston finaliza Descente Lolitta, f9a, em Grotte de Sabart nos Pirineus, um teto de 30 metros, dentro de uma caverna. Na semana anterior ele havia aberto um E8 na Península de Lleyn. 55 - Karina Filgueiras (45) e Bito Meyer (55) abrem a via “No Amaryllis” (6° VIIB D4 E3 220M), no Paredão Enamorados, Portal das Agulhas Negras.

Karina Figueiras e Bito Meyer na abertura da via Amaryllis (6° VIIb D4 E3 220m)

60 – Francisco Marin, pai do famoso escalador espanhol Edu Marin Garcia, manda Gemini, f8b+, em Rodellar, após um ano e meio de tentativas. 70 – O inglês John Sheard, de 70 anos, mais de 50 anos de escalada, (ainda) manda f7b! 70 – Bill Burke da Califórnia escalou o Everest. Em maio de 2012 ele voltou para a montanha com a proposta de escalar o Everest novamente, os dois lados, na mesma estação! Claro, os cínicos de plantão irão resmungar que “isso tudo é muito bonito, mas você não é o Mick Fowler, nem o Francisco Marin”. Também podem apontar corretamente que Malcom Smith já escalava f8c+ quando Fowler tinha apenas 18 anos. Isso porém, é perder o ponto fundamental da questão. O importante não é se um dia eu me transformarei em um grande escalador, mas que a idade, o único e fundamental detalhe o qual eu não posso mudar, não é a responsável por eu escalar tão mal.

Hillary e Tenzing

Eu ainda tenho mais de 15 anos para ganhar o Piolet D’Or e isso é um caralho de tempo. Adam Ondra foi de embrião a mega monstro da escalada em menos tempo do que isso. Obviamente, eu talvez precise tomar sérias e dramáticas mudanças de atitude como largar meu emprego das 9 às 5, terminar com a minha namorada para poder escalar full time, e provavelmente voltar a morar com os meus pais para salvar dinheiro para as expedições – mas sim, tudo é possível. Talvez eu consiga alcançar meus objetivos sem fazer nada disso, apenas treinando melhor e focando mais.

Paul Hasmunsen e Mick Fowler no topo do Kishtwar Kailash

O objetivo existe, meus melhores anos não estão necessariamente para trás, e eu estou novamente motivado. Então, quando eu leio que Ondra acaba de escalar o primeiro f9b+ do planeta, ao invés de me sentir miserável, eu apenas lembro que Mick Fowler ganhou o Piolet d’Or aos 47, e ele também tem um emprego das 9 às 5, mulher e duas filhas. Mick, você é meu herói. Você sempre será melhor que eu, e você sempre será mais velho. Agora dá licença que eu vou treinar!



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