Artigo publicado no site da Spelaion em 10/11/2009. Essa é uma versão resumida do (longo) post original.
Pousei em Genebra sob forte chuva e uma incrível tempestade magnética. O avião chacoalhou freneticamente antes de finalmente encontrar a pista, para alívio de todos. Perdi a última van para Chamonix e dormi no aeroporto, debaixo da mesa de um restaurante.
25/08/2009 – Chamonix
Chamonix é uma simpática cidadezinha encravada no meio dos Alpes. Teleféricos levam para todos os lados, até altos picos que além de belos panoramas, escondem pistas de ski e rampas de paraglider, que regularmente colorem o céu da cidade. Cachoeiras, geleiras, e altas montanhas de rocha e gelo compõem o pano de fundo. A cidade transpira esportes, uma profusão de corpos torneados desfilando por simpáticas ruas cheias de lojas de equipamentos de montanha.
O Walker havia chegado um dia antes, e fez uma pesquisa das locais para comprar e alugar equipamentos. Alugamos piolets, botas e crampons. O Mont Blanc seria minha primeira alta montanha. Até então, minha experiência em gelo era zero, e aclimatação e mal de atitude eram coisas que eu só tinha lido na Internet. O Walker já havia feito alguns cumes de 4000m, e tinha uma boa experiência em montanhas desse porte.
26/08/2009 – 1o Dia: Refuge du Goûter (3.815m)
Nosso plano era subir direto até o Refuge du Goûter (3.817m), acordar cedo, ir até o cume e voltar pra a cidade a tempo de mais uma escalada. Chegamos bem de manhãzinha em Saint-Gervais-les-Bains pra esperar o trem que sobe até Nid d’Aigle (2.362m). A estação foi gradualmente enchendo, até ficar lotada, um interessante desfile de idiomas, marcas e equipamentos esportivos.
Fiquei preocupado porque nossas mochilas pareciam bem maiores que a da galera ao nosso redor. Lógico que nem todo mundo está indo pro topo do Mont Blanc, mas ainda assim fiquei repassando na cabeça tudo o que eu estava levando, tentando achar algo que não fosse “essencial”…
Em Nid d’Aigle começa a caminhada, subimos por horas, ziguezagueando cada vez mais alto. Em pontos críticos do caminho havia cabos de aço que ofereciam proteção adicional. Imagino que no inverno pode ficar bem escorregadio. Chegamos a um amplo platô rochoso, cercado por gigantesco picos nevados e oposto a nós, lutando contra a natureza que parecia querer empurrá-lo montanha abaixo, o gigantesco refúgio Tête Rousse (3.167m), que mais se assemelhava a um hotel.
Fazia muito frio, e fortes ventos varriam o glaciar. Tirei uma luva e rapidamente um de meus dedos rachou e começou a sangrar. Não tínhamos protetor bocal adequado e nossos lábios ficaram machucados em questão de minutos. Vestimos as cadeirinhas, polainas, enchemos as garrafas d’água em um dos filetes que escorriam pelo gelo, e aproveitei para ligar pra casa. Quando eu comecei a falar, senti uma curiosa dificuldade em continuar, a boca mole, como se eu estivesse grogue. Curioso porque apesar disso, eu me sentia totalmente “normal”. Tudo me encantava, principalmente as transformações que eu estava sentindo em meu corpo. Eu me sentia um como um experimento científico ambulante.
Cruzamos o platô e chegamos a crista rochosa que dá acesso ao refúgio Du Goûter, 650 metros acima de nós. Alcançar a crista requer cruzar um perigoso couloir, uma gigantesca e íngreme rampa rochosa que é alvo de constantes avalanches e desmoronamentos. A estratégia é simples, uma rápida olhada pra cima, ouvidos atentos buscando alguma movimentação suspeita e, quando tudo estiver “tranquilo”, um sprint em direção ao outro lado, torcendo pra que seja seu dia de sorte. Breve e intenso! Uma vez do outro lado começamos a subir por uma longa crista rochosa, um interminável 3º grau.
No trecho final da subida o tempo virou e começou a nevar e esfriar ainda mais. Quando finalmente chegamos ao refúgio, estávamos praticamente congelados. O lugar estava literalmente entupido de gente, todos procurando abrigo. Não havia qualquer possibilidade de montar a pequena barraca que o Walker havia trazido. Até esse ponto não sabíamos que era possível acampar mais acima, em um platô gelado fora da vista do abrigo.
O refúgio Du Goûter é formado por duas sólidas construções de aço e concreto que se debruçam valentemente sobre a borda da parede. A construção da esquerda serve como refeitório e alojamento. Botas e demais tralhas devem ser deixadas em uma antessala onde confortáveis chinelos ficam a disposição dos visitantes. Uma passarela metálica conecta o refeitório ao prédio da direita, que é o alojamento central. Foi ali que nos esprememos durante o mal tempo. Foi um momento enervante, não havia sequer espaço para sentar no chão, e todas as camas estavam ocupadas, um clima caótico. “Vamos ter que nos espremer no canto e dormir sentados no meio dessa tralha encharcada”, pensei eu. Ainda ventava e nevava sem parar.
O Walker sentou sob sua mochila e começou a murmurar que estava muito cansado e não tinha mais forças. Fiquei preocupado quando ele de repente simplesmente parou de falar e mostrar reações. Coloquei minha jaqueta impermeável e fui pra fora do abrigo usar o fogareiro e derreter neve para fazermos algo para comer. Ficamos acocorados sob nossas mochilas, no meio daquela agitação insana de gente indo e vindo, comendo e esperando. O Walker mal tinha força para usar a colher. Um guia muito simpático deve ter tido pena do nosso estado e me disse que talvez fosse possível conseguirmos achar um espaço para dormir no chão do refeitório.
Pedi ao Walker que fosse até o restaurante tentar arrumar um canto pra gente, enquanto eu derretia mais neve. Ele havia comido pouco e continuava em profunda exaustão. Fiquei quase uma hora lá fora, na escuridão, pra conseguir encher duas garrafas de um litro e meio.
O refeitório estava tão escuro que precisei usar minha headlamp para navegar pela pilha de gente aglomerada. Com uma mão quebrava a luz da lanterna e com a outra ia tateando, tentando evitar pisar em pés, braços ou cabeças das dezenas de pessoas que se espremiam ali. Chão, mesas, bancos, tudo ocupado por um mar de corpos enfiados em sacos de dormir. Tentei em vão achar meu amigo. Finalmente encontrei um isolante da mesma cor do meu, mas não reconheci o saco de dormir. Como o espaço estava vazio e eu nunca o tinha aberto meu saco de dormir, pensei que fosse o meu e deitei ali mesmo. Mal fechei os olhos e alguém me cutucou dizendo que eu estava no “lugar” dele! Comecei uma segunda missão de busca e de novo, desisti. Achei outro espaço em um longo banco de madeira e me encostei ali mesmo.
Assim que relaxei, um violento acesso de tosse quebrou o paz do refeitório. Ao meu lado, um cara tossia e vomitava em um balde e, ao julgar pelo som, ele já devia estar enchendo o recipiente a um bom tempo. Ele parecia ter fortes contrações estomacais que saíam em uma sinistra sinfonia borbulhante, um odor insuportável. A cada tossida, um novo comichão no refeitório pedindo silêncio. Indiferente, ele tossia cada vez mais. Não ia ter como eu ficar ali e, ao levantar em busca da próxima “cama”, achei o Walker enfiado embaixo da mesa do cara! Ele me contou que aquela tossida estava rolando a horas, e a galera só resmungava, sem tomar ação. Um pouco depois um dos funcionários do abrigo abriu a portinha da cozinha e começou a gritar, mandando o cara pra fora do refeitório porque ele estava acordando todo mundo! Fiquei passado com a falta de empatia ou suporte… só Deus sabe o que aconteceu com ele.
27/08/2009 – 2o Dia: Aclimatando
Difícil estimar quantas horas consegui dormir. Poucas. Logo que o rapaz deixou o restaurante o ambiente acalmou, mas ainda estava longe de ser silencioso. Quando dezenas de pessoas exaustas e sofrendo de altitude se juntam para dormir, paz é algo impossível. Uma orquestra de roncos bruscos, tossidas, e fungadas sob um coro de engasgos. Quando finalmente me habituei e caí no sono, uma onda de alarmes eletrônicos varreu o “dormitório”. Duas da manhã, duas e quinze, duas e meia. Lentamente e depois num ato contínuo os grupos iam se levantando, ligando suas headlamps e começando a se preparar. Logo a luz do restaurante acendeu, e o lugar foi inundado por pessoas indo tomar o café da madrugada. A portinha da cozinha aberta e as refeições começaram a ser servidas. Como estávamos embaixo da mesa, ainda enrolamos por mais um tempo, mas logo estávamos rodeados por dezenas de pés e pernas das pessoas sentadas nos bancos a nossa volta e tivemos que levantar.
“- Vamos para as camas”, sugeriu o Walker, “esse pessoal está saindo agora e elas devem estar vazias”. Calcei minhas botas e enfrentei o frio da passarela até o outro alojamento. De fato, as camas estavam vazias. Capotamos e só fomos acordar às 8 da manhã com o rapaz da limpeza pedindo pra todo mundo sair. A porta do dormitório foi trancada e só seria aberta à tarde, paras os montanhistas que de fato haviam reservado acomodação.
O Walker me disse que ainda estava se sentindo muito cansado. Fomos para o restaurante e ficamos um bom tempo esparramados sob os bancos, vendo as nuvens passar pela janela. Eu tinha uma leve dor de cabeça, mas me sentia recuperado. O abrigo estava silencioso, a maioria das pessoas haviam partido para o cume. Quando o relógio marcou onze da manhã, o Walker disse que estava melhor. O tempo estava ótimo, então resolvemos nos preparar e começar a escalar, mesmo estando bem tarde.
Subimos a rampa de gelo que dá acesso a crista acima do abrigo e pudemos ter uma vista completa do Goûter e ter uma ideia de onde estávamos. O glaciar atrás do refúgio parecia querer empurrá-lo no vazio, para fora da plataforma rochosa sob a qual ele se ergue. Os responsáveis pela manutenção do lugar estão em constante batalha com a natureza que tenta retomar o que é seu por direito.
A saída do Goûter é feita por uma curta e inclinada rampa que leva ao topo da crista. Alguns metros mais adiante há um pequeno platô que serve como “área de acampamento”.
Do alto pudermos ver o caminho a seguir, uma longa subida. Os grupos acima pareciam minúsculos pontinhos perdidos na imensidão branca. Eu calculei pelo menos três horas de subida íngreme. Assim que começamos a caminhar o Walker começou a repetir que ainda estava cansado e constantemente me perguntava como eu me sentia. Comecei a ficar irritado. Minhas coxas “reclamavam” bastante, mas eu imaginei que isso era algo normal considerando-se a aproximação do dia anterior. Fora isso, me sentia bem. Começamos uma breve discussão sobre as possibilidades de continuarmos ou não.
Resolvemos voltar pro abrigo, poupar energia, descansar e tentar no dia seguinte, visto que a previsão também era excelente. Confesso que fiquei contrariado, mas no dia seguinte essa escolha se mostraria sábia. O caminho à frente era penoso e iria exigir 110% de nós. Deixamos a mochila pronta para a madrugada, seria acordar e sair. Ao contrário da primeira tentativa, dessa vez iríamos levar apenas a minha mochila com tudo o que precisávamos. O Walker estava se queixando de fortes dores nas costas e sua incômoda mochila não iriam ajudar em nada.
Voltamos pro refeitório que agora estava novamente se enchendo de gente retornando do cume. Todos pareciam exaustos. Já era meio da tarde e comecei a me sentir muito cansado. O Walker sugeriu perguntarmos sobre camas pra passarmos a noite. O rapaz que me atendeu, um dos que ficavam no lado VIP da cozinha preparando as refeições, explicou que o custo do pernoite era de 27 euros, e todas as camas estavam reservadas, mas caso houvesse alguma desistência, iria nos encaixar. Mesmo sem cama, o preço pra dormir no chão do restaurante era o mesmo! Sem saber, dormimos “na faixa” na noite passada, mas agora que tínhamos dado as caras, teríamos que pagar de um jeito ou de outro. Compramos dois pratões de macarrão que mesmo enjoado nos forçamos a comer.
Logo meu enjôo piorou. Parado eu me sentia bem, mas era só levantar que passava mal na hora. A dor de cabeça era constante, tomei dois comprimidos de paracetamol, mas nada fazia efeito. Passamos o resto do dia deitados, levantando apenas para comer, tomar água e dar uma volta até o restaurante. Mais pessoas retornavam do cume, elas pareciam destruídas.
28/08/2009 – 3o Dia: Cume
Finalmente confirmaram que teríamos camas para passar a noite e assim que os dormitórios foram abertos nós corremos pra lá. Demorei horas pra pegar no sono, pensei que fosse ficar acordado até o despertador tocar – insônia faz parte do hall dos sintomas de má aclimatação. Duas da manhã, e nova orquestra de despertadores e headlamps. Cinco da manhã foi a nossa vez. O céu ainda estava negro quando deixamos o alojamento, milhares de estrelas cintilando sob nossas cabeças, indiferentes ao vento, que assobiava freneticamente. Dezenas de luzinhas enfileiravam-se na face da montanha, um congestionamento de escaladores.
Subimos a pequena e agora pisoteada rampa que levava a crista e passamos pelo platô cheio de barracas. Uma vez expostos no crista, recebíamos o vento com força total. Subimos serpenteando a longa encosta, seguindo o rastro dos outros grupos. Vez ou outra margeávamos profundas gretas, cruzando inúmeras e invisíveis pontes de gelo.
O dia começou a clarear e o céu foi de negro para um profundo azul escuro, então rosa e depois dourado! Nuvens se formavam abaixo de nós cobrindo todo o horizonte, simplesmente incrível. Paramos várias vezes para tirar fotos e admirar toda aquela beleza. Para mim, tudo era novo e mágico.
A neve estava em excelente condição e avançávamos sem dificuldades. Após cerca de duas horas de subida chegamos a um longo platô e dali pudemos ter uma ideia do resto do caminho a frente: mais uma longa descida, outro amplo platô e então outra longa e última rampa até o cume. Depois de mais uma longa caminhada chegamos até o abrigo do Vallot, uma fedida caixa metálica que serve de refúgio de emergência.
O sol estava alto e fritava a nuca, enquanto o vento frio cortava e queimava o resto do rosto que estava exposto, da ponta do nariz e orelhas às bochechas. Paramos para reforçar o protetor solar, comer alguma coisa e nos hidratar porque o trecho final ia ser puxado. Eu estava começando a ficar cansado e o peso da mochila aumentava exponencialmente à medida que ganhávamos altura. Vários rostos familiares voltavam do cume, alguns se lembravam da dupla de brasileiros que conheceram no dia anterior. Muitos nos saudavam com entusiasmo, nos encorajando a continuar subindo.
A rampa parecia inclinada, e os pontinhos lá no alto davam uma dimensão real do seu tamanho. Estávamos a mais de 4000 metros e para mim, tomar fôlego era cada vez mais difícil. O Walker seguia na frente e eu tentava a todo custo manter o espaço entre nós e deixar a corda esticada. Com o calor a neve ficou fofa e porosa, como areia. A cada dois passos eu escorregava um. A subida foi ficando mais vez mais inclinada e exposta, e o abismo de ambos os lados mais vertiginoso. Se alguém escorrega-se aqui a coisa ia ficar complicada, não havia qualquer condição de nos segurarmos.
Contração absoluta para encaixar cada passo com precisão. Eu precisava parar constantemente para recuperar o fôlego. Mais do que cansaço, o que eu sentia era uma enorme dificuldade em recuperar o ar dos pulmões. O Walker, agora animado, puxava o ritmo. Passando o monte Bosser a crista ficou ainda mais estreita, várias vezes cruzamos com pessoas descendo do cume e esses encontros eram críticos, todos se espremendo no canto dos sulcos deixados pelo trajeto de vários escaladores, tentando ao máximo não se aproximar das estreitas bordas que conduziam ao vazio. A mochila agora pesava toneladas, e a cada poucos passos eu precisava para recuperar o fôlego.
Subíamos e subíamos e o cume parecia se aproximar, mas nunca chegávamos, até que finalmente não havia mais o que subirmos! O topo era um amplo platô, além de nós haviam mais três alpinistas que acabavam de chegar. Eles se abraçavam e riam. Não sei em que momento tomei consciência, mas lágrimas escorriam dos meus olhos, comecei a chorar inexplicavelmente. Uma explosão de adrenalina e satisfação que é impossível traduzir em palavras. Abracei o Walker, nos cumprimentamos e notei que ele também chorava. Ficamos alguns minutos como duas crianças nos sacudindo e dando risada. Estávamos sob as nuvens, sob todos os outros picos. Uma sensação absurda de pequenez, fragilidade e amplidão. O vento acalmara, mas fazia muito frio. Os três escaladores começaram a descer. Nós aproveitamos mais alguns minutos sozinhos, embriagados pela beleza, e logo os seguimos.
Descemos lentamente. Baixada a adrenalina, precisávamos de atenção redobrada. A volta é onde a maioria dos acidentes acontecem. Íamos nos equilibrando nervosamente, o tempo todo encarando as gigantescas rampas que nos jogariam no abismo no caso de algum escorregão.
Minhas energias voltavam à medida que perdíamos altura. O Walker por outro lado, parecia mais cansado. Logo que o terreno aplainou e começamos a avistar o Vallot ele começou a reclamar de exaustão. Ele deu umas tropeçadas, quase se desequilibrou e quando finalmente nos sentamos para descansar, notei que ele não estava bem. Ele sugeriu entrarmos no abrigo fedido e dormir um pouco, mas eu insisti para descansarmos ali mesmo na neve, e logo seguir em frente porque ainda tínhamos horas e horas de caminhada pela frente.
Eu já havia lido sobre sentir calor no gelo, mas estar naquele ambiente nevado fritando sob o sol era algo sadisticamente engraçado. O gelo estralava sob os raios do sol. Depois de sete horas, finalmente chegamos de volta ao Goûter, completamente exaustos.
Deixamos os equipamentos secando ao sol e resolvemos pagar por mais um caríssimo prato de macarrão carbonara e uma coca-cola. Forrado o estômago, eu queria descer direto, mas o Walker ainda estava bem cansado. Debatemos se deveríamos ficar mais um dia no abrigo e acordamos que iríamos descansar ali por algumas horas e então começar a descida. Eu não ia conseguir dormir e passei o tempo observando o visual pela janela do abrigo. Por volta das 4 da tarde acordei o Walker e começamos a descer.
O sol estava a pino e o couloir em plena atividade. Rochas do tamanho de bolas de futebol desciam rolando a toda velocidade e ao chocarem-se com outras rochas mais abaixo explodiam em dezenas de fragmentos igualmente perigosos. Grande blocos oscilavam quando pisávamos sob eles, e agarras que pareciam sólidas, saíam na mão quando puxávamos. Mesmo com o cansaço e a instabilidade do terreno aquela descida foi prazerosa, fomos conversando e descendo sem pressa.
Ao chegarmos aos pés do Tête Rousse, minhas coxas realmente começaram a reclamar. O Walker estava com muita dor no pé, por conta de uma unha encravada e resolveu disparar na frente para “sofrer rapidamente toda a dor de um vez só”. Levamos duas horas pra chegar ao abrigo, já era tarde e teríamos que pagar mais um pernoite. As mesas do refeitório estavam cheias e como não havia espaço nas camas, teríamos que dormir ali mesmo no chão, mas pagando preço de hotel cinco estrelas.
Lugar desagradável, diversos hóspedes jogando cartas e enchendo a cara de vinho, fazendo um barulho infernal.O Walker perdeu a paciência, pediu licença, e se enfiou num canto entre as mesas e a parede. Eu fiquei sentado, esperando outro canto aparecer, mas também desisti e me enfiei debaixo de uma mesa. No mesmo instante o rapaz da cozinha apareceu nos avisando que surgiram duas vagas e poderíamos deitar nas camas! Hah! Eu estava tão cansado que sequer me dei ao trabalho de cozinhar. Comi uma barra de chocolate e apaguei.
29/08/2009 – 4o Dia: Retorno
Bem cedo deixamos o abrigo. Estávamos acima de alaranjadas nuvens, como que dentro de um grande caldeirão mágico que ia ficando cada vez mais rosado conforme o sol subia no horizonte. Descemos em um ritmo lento, o Walker brigando com dor nas costas e uma unha encravada, eu com as coxas moídas. Algumas horas depois pegamos o trenzinho e então o teleférico de volta à cidade.
Observações
O Mont Blanc é fisicamente exigente e tecnicamente inocente, escondendo potenciais surpresas para os desavisados e despreparados. É difícil julgar uma rota em uma montanha de 4.000m como fácil ou simples. Ainda que seja uma escalaminhada PD (Peu Difficile), pode-se dizer que em vários trechos você realmente está escalando, sempre sob grande exposição. Não é possível comparar os diferentes cenários e dificuldade de se fazer o percurso em um dia de sol, em condições favoráveis, ou sob forte tempestade. Pra quem não tem experiência alguma, vale levar um parceiro mais preparador, ou arrumar um guia.
Mais informações? O que você precisa saber para escalar o Mont Blanc
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